sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Bem e dado que estou a ler um grande livro, vou partilhar convosco uma grande passagem, talvez das melhores passagens de qualquer livro que já tenha lido...Aqui vai...

"Não lhe falarei, Teodoro, de outros gozos terrestres: como, por exemplo, o Teatro do Palais Royal, o baile Laborde, o Café Anglais...Só chamarei a sua atenção para este facto: existem seres que se chamam Mulheres - diferentes daqueles que conhece, e que se denominam Fêmeas.
Estes seres, Teodoro, no meu tempo, a páginas 3 da Bíblia, apenas usavam exteriormente uma folha de vinha. Hoje, Teodoro, é toda uma sinfonia, todo um engenhoso e delicado poema de rendas, baptistes, cetins, flores, joias, caxemiras, gazes e veludos... Compreende a satisfação inenarrável que haverá, para os cinco dedos de um cristão, em percorrer, palpar estas maravilhas macias; - mas também percebe que não é com o troco de uma placa honesta de cinco tostões que se pagam as contas destes querubins... Mas elas possuem melhor, Teodoro: são os cabelos cor de ouro ou cor de treva, tendo assim nas suas tranças a aparência emblemática das duas grandes tentações humanas - a fome de metal precioso e o conhecimento do absoluto transcendente. E ainda têm mais: são os braços cor de mármore, de uma frescura de lírio orvalhado; são os seios, sobre os quais o grande Praxíteles modelou a sua Taça, que é a linha mais pura e mais ideal da Antiguidade... Os seios, outrora (na ideia desse ingénio Ancião que os formou, que fabricou o mundo, e de quem uma inimizade secular me veda de pronunciar o nome), eram destinados à nutrição augusta da humidade; sossegue porém, Teodoro; hoje nenhuma mamã racional os expõe a essa função deteriorada e severa; servem só para resplandecer, aninhados em rendas, ao gás das soirées, - e para outros usos secretos. As conveniências impedem-me de prosseguir nesta exposição radiosa das belezas que constituem o fatal feminino... De resto as suas pupilas já rebrilham... Ora todas estas coisas, Teodoro, estão para além, infinitamente para além dos seus vinte mil réis por mês... Confesse, ao menos, que estas palavras têm o venerável selo da verdade!...
Eu murmurei, com as faces abrasadas:
- Têm"


Século XIX e tão actual

Eça no seu melhor

In "O Mandarim"

4 comentários:

Unknown disse...

Sim senhora, estou pasmado.. interessou-me o conteudo pelo menos lol, se bem que já li um livro do Eça e n curti mto.. mas pronto, tens de me emprestar isso ;)

Carminho disse...

O Mandarim foi meu livro de leitura obrigatória no 10.º ano! Realmente é brilhante! E tu tás ai uns 6 ou 7 anos atrasado =P
Carmen *

Dezperado disse...

o Eça de Queirós nao era Panasca??????

;)

Ruca! disse...

grande eça, um iluminado intemporal!

bom natal, zé tó!