sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ofegante

O caminho era tortuoso. Voltei para trás, não consegui avançar. As serras perdiam-se no meu olhar distante, distância, a palavra que definia os bocadinhos que perdidos no canto do olho caiam aos poucos na terra carente de água, sedenta de chuva. O ar rarefeito, queimava os pulmões que pereciam sem oxigénio. A morte caminhava lentamente, sorria ironicamente, satisfeita, esfomeada.

As árvores eram o único abrigo, escondia-me nelas, confundia-me com elas, fugia por pouco tempo, pensava eu que fugia...Ela olhava-me triunfante, sedenta de vingança, orgulhosa do poder, sabedora da força incrivelmente grande, terrivelmente tentadora.

No fundo era isso que ela era...tentadora...! Os joelhos tremeram, aos poucos, o som foi-se desvanecendo, ao longe a música não era mais do que uma miragem, ouvia ainda alguém a cantar, a boca seca, ansiava por água, e a visão turva, escuro.

A cara arranhada, encostava-se à terra seca, e a boca provava senão o amargo sabor da geada. Olhei para ela, e prostrado resignado...nada mais havia a fazer... Ela olhou-me, tocou-me, acariciou-me a cara arranhada, ajeitou o cabelo sujo e despenteado. Parecia uma espécie de despedida, de adeus, teria de deixar tudo a meio. Quis inspirar pela última vez!Ninguém ouviu, ninguém percebeu, ninguém ajudou...Vi-te ao fundo a acenar...Não pensei em ti, desculpa, já me esqueci...

...se calhar nunca me cheguei a lembrar

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Fever

Quente
Ninguém sabe porque mente, lá ao fundo ninguém sente, o calor, torna-me demente...!

Esperei-te naquele instante em que não vinhas, talvez tenho sido esse o melhor instante, talvez o importante seja a parede que nos mantém distante

Nunca pensei que se deixasse morrer, não se alimentou eu sei, mas deixar-nos assim, de repente. Sentimento cruel, doce é o fel, o tormento, não morre inocente, carente, a dor, doente.

Lá fora o frio aquele que me transformou, que me gelou. A respiração compassada faz-nos esperar da vida nada mais que a morte, velhice feroz, corre sem parar.

You're too weird...creep...creep...creep...!

Esperei por aquele momento.

Discuti com todos o propósito, o interesse, não imaginava que conseguissem perceber o que queria, mas lá no fundo, bem no fundo, todos eles queriam o mesmo que eu.

Abri uma garrafa de gin, o cheiro, o sabor amargo, inundavam-me de recordações que preferia esquecer, ou lembrar de maneira diferente. O som da água tónica a misturar-se com o gin, o fervilhar, e no fim o toque do limão, talvez o mais doce, o que pensava ser o mais doce.

Sentei-me, ninguém me olhava, ninguém percebia o terrível desgosto, não lhe chamaria desgosto, continuaria a chamar-lhe medo. Ainda não tinha passado, percebia o erro, uns diriam que seria tarde, outros diriam talvez cedo, e eu a pensar que não errava.

Bebi o copo de um trago, o som da abertura da garrafa voltava a fazer-se ouvir, aquele quente desenroscar, o leve bater do gin enchendo o copo até meio...o ritual.

Prometi a mim mesmo que seria o ultimo, lá fora esperavam-me, imbecilmente tomei-os por tontos, ninguém faria isso.

Bati a porta, olhavam-me de soslaio, fixei-os um a um, não falei. As perguntas começaram a saltar, a sofreguidão com que procuravam respostas confundia-me. Nunca os cheguei a perceber, agora muito menos. Virei as costas, senti os seus olhares admirados, a porta continuava a ser a fronteira da paz, da liberdade. O gin no bolso, chamava-me...cerrei os olhos, não valia a pena voltar. Fechei a porta, no escuro já ninguém me olhava, ninguém me inquiria. Quem eram ?Que queriam?

Toquei na garrafa de gin, experimentei-lhe a forma, a temperatura. Que faz ela aqui pensei?

Nem bebo gin...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

She's my heroine

A porta entreaberta convidava a um rápido olhar, lá dentro o som de vozes perdia-se pelo longo corredor. As portas pesadas, tinham aquele toque liso da madeira. O branco confundia-se com o verde das paredes. Os quadros pregados simetricamente na parede recordavam o que havia sido, entoavam músicas de antepassados que não mereciam ser lembrados, mas que no fundo ninguém conseguia esquecer.
A vida depois deles tinha-se tornado monótona, os pesados rendimentos sabiam bem e davam para sustentar esta decrépita mas ainda assim pomposa família burguesa. O filho estudava alegremente para o que dizia ser o seu futuro, a lingua inglesa. A filha contemplava no jardim as borboletas e a maneira graciosa como por entre o vento as suas asas deslizavam, cortando-o, subindo e depois descendo, e então o leve aterrar numa margarida (a sua flôr preferida, ou não fosse esse o seu nome). Era incapaz de as capturar, era incapaz do que quer que fosse que as pudesse perturbar, que pudesse influir com a sua delicadeza. Correu de volta a casa, o seu nariz ditava-lhe as ordens, em cima do mármore da cozinha, as bolachas de manteiga...Partiu-as aos bocados e molhou-as no leite. Saboreou cada bocadinho das três bolachas a que tinha direito, e voltou para a sua contemplação. Era capaz de passar manhãs, tardes, a olhar para a vida do jardim, a ver cada insecto, cada movimento, a escutar cada som, absorvia-os como se a sua vida depende-se disso, havia apenas uma coisa que a distraía de todo este embevecimento, as suas bolachas.
Alguém a chamava, fingiu não ouvir, mas a voz ecoava dentro da casa, encheu-se de forças e resolveu ir. Esperava-a sua mãe, mulher alta, emproada, vivia ainda daquilo que pensava ser. A menina entrou, guardando uma distância de segurança, sabia que algo se passava, não era normal a mãe chamá-la quando o sol ainda lhe dava a possibilidade de viver no seu jardim. O seu pai e o seu irmão, estavam também na sala, as suas caras estavam envoltas numa mistura de mistério e preocupação.
Não perguntou nada, e voltou para a janela, de lá conseguia ver a borboleta ainda pousada na margarida. O sorriso voltou a preencher-lhe o rosto. Ninguém falava e o momento pareceu arrastar-se indefenidamente.
O pai aproximou-se afagou-lhe a cabeça, ela depressa se afastou, estranhou tal carinho, era algo que não conhecia algo a que não estava habituada. Foi então que se ajoelhou e a abraçou, um abraço longo, terno, cheio de amor. Ela resistiu, deixando-se depois conquistar. Percebeu o carinho, percebeu que algo de grave se passava, pensou nas suas bolachas, fechou os olhos com força, via a sua borboleta a brotar do casulo, a mostrar-se ao mundo. Abriu os olhos, e as lágrimas corriam pelo seu rosto, olhou em frente e não percebeu se eram também as suas lágrimas que corriam no rosto do seu pai. Correu para a cozinha, a farinha não estava sobre a mármore, não se ouvia o crepitar da madeira que em tempos a enbalou. Conhecia bem esse som, conhecia também o sabor que dele advinha. As suas lágrimas corriam agora descontroladamente, correu de volta ao jardim. Ninguém a seguiu, procurou em vão uma borboleta. O escuro apoderava-se do céu, lá ao longe as nuvens bramiam. Reparou naquele momento que as árvores se tinham despido, que no chão o manto de folhas cobria o seu caminho. A chuva misturava-se com as suas lágrimas que não pareciam agora ser tão salgadas. O mundo havia-lhe tirado tudo aquilo que tinha de mais precioso, muito tinha morrido, e nada havia que o pudesse compensar. A Primavera vinha lá longe, o Inverno tinha chegado e nada o podia mudar.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

No fundo...no fundo...

Era uma vez uma casa branca nos locais onde o tijolo havia sido pintado. Sentia-se o esforço com que tinha sido construída, o cheiro a suor ainda pintava as paredes mal caiadas, era uma casa quente, o sol batia-lhe durante toda a manhã e parte da tarde, à noite era o som dos grilos que a envolvia, sem eles, o silêncio ganhava uma nova dimensão e tomaria tudo de assalto. Conduzia sem rumo naquela estrada e estranhei os contornos da casa que se aproximava. Ao fundo vislumbrei uma luz de vela cuja chama balançava ao sabor do vento, ele comandava-a e deixava-a viver em conjunto com o pavio. Sozinho e perdido saí de dentro do carro e procurei companhia. Algo cujo sabor não sentia há muito tempo. A chama guiava-me por entre um escuro que para além de quente se revelava confuso. Bati a uma porta ferrugenta e alguém se assumou à porta. Era um menino, não parecia ter mais de doze anos, abriu a porta sem fazer perguntas e correu de volta ao abrigo do lar. A confusão entrava-me pela cabeça e fazia-me pensar coisas que possivelmente não existiam. A chama continuava a lutar contra o vento e os meus olhos não conseguiam deixar de captar o seu movimento. Depois de a seguir com os olhos, caminhei até ela, olhei em volta, e ninguém pareceu reparar na minha presença, uma mulher ao lado da chama limpava os restos do jantar e o rapaz brincava com o seu fiel cão. Procurei entrar na família, imaginar o que faziam ali, como tinham ali chegado, porque tinham escolhido aquele lugar. A mulher havia sido bonita, o trabalho te-la-ia gasto, o trabalho ou o desgosto, as covas no lugar das bochechas, a ausencia de sorriso mostravam que algo de errado se passava.
O rapaz e o cão indiferentes e sem percepção de tudo o que se passava começaram então a olhar-me, apontava para mim com curiosidade e o cão ladrava, abanava o rabo como que esperando por um bocado de queijo ou de carne. A mulher continuava impassível no seu trabalho, varria mecanicamente o chão sem um olhar, um suspiro, uma palavra. O rapaz começou a aproximar-se, o seu cão num acto de ousadia seguiu-o com o rabo bem esticado. Sentou-se a meus pés e fez-me sinal para me sentar a seu lado, o chão seco, continuava quente, o cão lambia-me a mão, fazendo um gesto rápido o menino agarrou-me a outra mão, levantando-se apagou em seguida a luz que perturbava o escuro que em breve nos envolveu.
Contou o que se passava, quem era, porque estava ali. A mãe despreocupada fechou a porta, continuou como se nada se passasse como se ninguém ali estivesse. O menino esse tinha as faces vermelhas, as lágrimas começaram a correr-lhe pelo rosto. Limpou-as prontamente, tinha que ser crescido, no fundo tinha que ser ele a dar o exemplo, era o homem da casa. A sua infância havia-lhe sido roubada, faltava-lhe o calor dum pai, o amor duma mãe, o aconchego duma infância que nunca tinha chegado. Falei-lhe de como tinha sido o mundo para mim, de como me tinha sorrido, como me continuava a sorrir. Senti os seus olhos a fixarem-se em mim, a lua iluminava-lhe o rosto, perguntou-me se me podia chamar pai, perguntou-me se naquele momento ele poderia sentir-se meu filho. Sem pensar respondi que sim, e depois dum suspiro longo aninhou-me em mim e pediu-me para lhe contar a história que contaria aos meus filhos. Pensei por um momento, as emoções fervilhavam, não sabia o que fazer, estranhava tudo aquilo que pudesse dizer. Quando comecei a contar a história, ele já dormia, o seu cão observava-me tinha-se aninhado também a meus pés, parecia sedento das minhas palavras. Acabei a história...
Acordei, de volta no carro, tudo me parecia uma miragem, lá na beira da estrada não havia casa, não havia criança, não havia mãe. O mundo tinha-me pregado mais uma partida, não o voltarei a ver, espero não o voltar a ver...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Rubor!!!

Sabes bem que sei o que quer que seja que sabes. Sabes bem, o sabor tem aquele toque amargo. O cheiro...há quem diga que tens 20 anos... Não sei se quero ou não, não sei se prove ou não, aquele receio do que possa vir mais. É dificil provar tudo aquilo que queremos, não provar, provar, mas provar daquela maneira como se prova o vinho. É preciso provar o que se sente, é preciso provar para se perceber o que se quer, é preciso mudar o tom das coisas quando se quer bebericar depois de provar. Prova dos 9?Regra de 3 simples... Já lá vai tanto tempo, e o vinho esse continua velho, aquele aroma, aquele toque...o sabor...o sabor...!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Aparições

Sai agora que estou algures, encontra-me, preciso de ti, o escuro deixa o mundo carente. O vinho, aquele do sabor amargo, o quente, sei lá de repente, não pareces aquele alguém que não deixava ninguém indiferente. Espera, não vás agora, voltei para dentro, tenho tanto medo... Olha à tua volta, afinal não aguento, sou eu, aquele que te acena, que te sorri, não me vês?Lá ao longe, as luzes focam-me trazem-me para a ribalta, não digas que não me vês, olha para mim, por favor olha, nem que seja pela última vez, guarda aquela imagem que te dei...não te lembras?Daquele abraço, da voz, das vezes que fomos só um, quando te guardaste para mim, do beijo...daquele doce beijo...Ninguém viu, não te preocupes, ninguém se importa. Porque é que se haviam de importar? Vá lá, não voltes, não me vejas assim. Sou aquela sombra que pensaste que eu era...Tornei-me nela...Desculpa

Intocável

Espero o momento certo, mas alguém surge surrateiramente. Faz o que eu devia ter feito, faz por ser ele o eleito, encontra o abrigo no teu peito. Fujo ao longe por entre a chuva fria. Ela molha alegremente quem passa. Hoje sou um deles, hoje sou um dos poucos que não te sente, que não te renega e perfilha a tua estranha natureza. A instabilidade persegue-te, as nuvens criam-te algures, trazem-te ao mundo e deixam-te viver, morrer, e renascer no corpo de alguém. Abrigas-te no meu canto, comes o meu encanto vorazmente, indiferente ao que sinto, ao que quero. Fazes o que não pode ser feito, renovas-te e evaporas para depois seres de mais alguém, para te alimentares ou matares os outros, aqueles que estão longe e que pensavam precisar de ti. É esse o objectivo, seres de todos e no fundo de ninguém