terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Voltaste...

Bateram as duas horas no relógio grande da sala, pela casa despida o som ecoava desamparado.O sol mostrava-se timidamente envolto pela névoa que o dominava, o Outono tinha chegado.
Abri uma garrafa de vinho, enchi o copo até meio. Respirava-o avidamente enquanto a lingua estalava frenética em antecipação.
O barulho entrou em casa como um terramoto, o silêncio que se seguiu foi desesperante, assustador. O vinho esse continuava ao meu lado, como sempre, bebi-o de um trago, quente, ligeiro, fugaz. Acendi um cigarro indiferente ao que se passava. Lá fora gritavam desesperadamente, não os ouvia.
Na velha cadeira de baloiço o tempo custava a passar, as vozes essas acalmavam, calculei que no fundo mentiam, a ilusão era porventura um facto, continuei sem as querer ouvir.
O enfado percorria-me o corpo, respirava fundo, com os olhos fechados esperei envolto em pensamentos que não eram de ninguém.
Levantei-me finalmente, na rua brincava um grupo de crianças, corriam alegremente sem preocupações, sem causas perdidas. A cadeira essa continuava a baloiçar sozinha com a inércia que só a gravidade permite.
As crianças desapareciam, uma a uma, amanhã seria outro dia, para mim o prolongar do mesmo. Da cozinha o leve assobio das panelas roubou-me a atenção, dispersei-me.

Não pensei que estarias certa, não achei que seria assim, e todo este turbilhão de pensamentos tomaram de rompante conta de mim. A ilusão voltou a inromper, dominante, mas o silêncio reinava...acalmei-me, desprendi-me, libertei-me finalmente. Na cadeira voltei a ouvir o bater das duas horas...

Preciso de regressar a ti pensei...a rotina mata-me!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

"E com um brilhozinho nos olhos...

...és o seis do meu totoloto..."

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Idade Média

Escutei atrás da porta os passos que dela se aproximavam, antevi o sorriso mordaz que carregava sempre consigo. O corpo enfesado deixava adivinhar a tísica que lhe roía o corpo, a tosse essa era a certeza de que já não duraria muito. Contudo, já lá iam dois anos e o sorriso esse não caía, não se rendia, e todos os sentidos se pousavam nele à procura de um sinal de vida de esperança.
Vai ser de um dia para o outro diziam há meses, no entanto ninguém era capaz de lhe falar directamente sobre o assunto, desviavam-se discretamente, baixavam o olhar...ela percebia, mas nunca deixava de os encarar, de fazer troça, de tossir um pouco mais do que o corpo lhe pedia, de lançar o pânico nas ruas por onde passava. Eu não percebia o porquê da sua fraqueza, o porquê do súbito afastamento, de já não me beijar, de não me sentar no conforto do seu regaço. Confrontava-a, mas do sorriso trocista e dos seus ainda expressivos olhos, nada tinha mais do que um "já não és um bebé".
Nunca ninguém me voltou a fazer crer que era uma criança, a minha infância acabou aí, perdida no olhar que jamais voltará a partilhar comigo!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Cefaléia

Doce cama gente fria, quente mania de não conseguir esquecer. Palpável o momento, ameno o dia, dificil adivinhar quem vende alegria.
Pelos rasgos das nuvens o sol brilha, mente quente, descarrila quando a lua surge e alimenta os chacais.
Animais sem fé nem medo correm em busca dos vulgares, conhecem lhes o terror, buscam o podre em cada interior. Corre o sangue enquanto o festim continua, o frenesim esse diminui com o matar da fome, mas a sede de morte essa consome os mais vorazes, que se consolam com a existência dos menos capazes.
Entre as luzes da noite muitos são os olhos que brilham, mas poucos são os que voltam a acordar dispostos a ver o sol raiar.