terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Idade Média

Escutei atrás da porta os passos que dela se aproximavam, antevi o sorriso mordaz que carregava sempre consigo. O corpo enfesado deixava adivinhar a tísica que lhe roía o corpo, a tosse essa era a certeza de que já não duraria muito. Contudo, já lá iam dois anos e o sorriso esse não caía, não se rendia, e todos os sentidos se pousavam nele à procura de um sinal de vida de esperança.
Vai ser de um dia para o outro diziam há meses, no entanto ninguém era capaz de lhe falar directamente sobre o assunto, desviavam-se discretamente, baixavam o olhar...ela percebia, mas nunca deixava de os encarar, de fazer troça, de tossir um pouco mais do que o corpo lhe pedia, de lançar o pânico nas ruas por onde passava. Eu não percebia o porquê da sua fraqueza, o porquê do súbito afastamento, de já não me beijar, de não me sentar no conforto do seu regaço. Confrontava-a, mas do sorriso trocista e dos seus ainda expressivos olhos, nada tinha mais do que um "já não és um bebé".
Nunca ninguém me voltou a fazer crer que era uma criança, a minha infância acabou aí, perdida no olhar que jamais voltará a partilhar comigo!

2 comentários:

MissKitsch disse...

Gostei... De verdade.
Mas não seria eu se não largasse um: olhá cabra da tísica, hein?!

Unknown disse...

Mmm... é dos teus textos que mais gostei de ler. Foi o que mais me pareceu "sóbrio", talvez por já ser tarde e ter acabado de ver o Taxi Driver lol mas curti ;P Abraço