A porta entreaberta convidava a um rápido olhar, lá dentro o som de vozes perdia-se pelo longo corredor. As portas pesadas, tinham aquele toque liso da madeira. O branco confundia-se com o verde das paredes. Os quadros pregados simetricamente na parede recordavam o que havia sido, entoavam músicas de antepassados que não mereciam ser lembrados, mas que no fundo ninguém conseguia esquecer.
A vida depois deles tinha-se tornado monótona, os pesados rendimentos sabiam bem e davam para sustentar esta decrépita mas ainda assim pomposa família burguesa. O filho estudava alegremente para o que dizia ser o seu futuro, a lingua inglesa. A filha contemplava no jardim as borboletas e a maneira graciosa como por entre o vento as suas asas deslizavam, cortando-o, subindo e depois descendo, e então o leve aterrar numa margarida (a sua flôr preferida, ou não fosse esse o seu nome). Era incapaz de as capturar, era incapaz do que quer que fosse que as pudesse perturbar, que pudesse influir com a sua delicadeza. Correu de volta a casa, o seu nariz ditava-lhe as ordens, em cima do mármore da cozinha, as bolachas de manteiga...Partiu-as aos bocados e molhou-as no leite. Saboreou cada bocadinho das três bolachas a que tinha direito, e voltou para a sua contemplação. Era capaz de passar manhãs, tardes, a olhar para a vida do jardim, a ver cada insecto, cada movimento, a escutar cada som, absorvia-os como se a sua vida depende-se disso, havia apenas uma coisa que a distraía de todo este embevecimento, as suas bolachas.
Alguém a chamava, fingiu não ouvir, mas a voz ecoava dentro da casa, encheu-se de forças e resolveu ir. Esperava-a sua mãe, mulher alta, emproada, vivia ainda daquilo que pensava ser. A menina entrou, guardando uma distância de segurança, sabia que algo se passava, não era normal a mãe chamá-la quando o sol ainda lhe dava a possibilidade de viver no seu jardim. O seu pai e o seu irmão, estavam também na sala, as suas caras estavam envoltas numa mistura de mistério e preocupação.
Não perguntou nada, e voltou para a janela, de lá conseguia ver a borboleta ainda pousada na margarida. O sorriso voltou a preencher-lhe o rosto. Ninguém falava e o momento pareceu arrastar-se indefenidamente.
O pai aproximou-se afagou-lhe a cabeça, ela depressa se afastou, estranhou tal carinho, era algo que não conhecia algo a que não estava habituada. Foi então que se ajoelhou e a abraçou, um abraço longo, terno, cheio de amor. Ela resistiu, deixando-se depois conquistar. Percebeu o carinho, percebeu que algo de grave se passava, pensou nas suas bolachas, fechou os olhos com força, via a sua borboleta a brotar do casulo, a mostrar-se ao mundo. Abriu os olhos, e as lágrimas corriam pelo seu rosto, olhou em frente e não percebeu se eram também as suas lágrimas que corriam no rosto do seu pai. Correu para a cozinha, a farinha não estava sobre a mármore, não se ouvia o crepitar da madeira que em tempos a enbalou. Conhecia bem esse som, conhecia também o sabor que dele advinha. As suas lágrimas corriam agora descontroladamente, correu de volta ao jardim. Ninguém a seguiu, procurou em vão uma borboleta. O escuro apoderava-se do céu, lá ao longe as nuvens bramiam. Reparou naquele momento que as árvores se tinham despido, que no chão o manto de folhas cobria o seu caminho. A chuva misturava-se com as suas lágrimas que não pareciam agora ser tão salgadas. O mundo havia-lhe tirado tudo aquilo que tinha de mais precioso, muito tinha morrido, e nada havia que o pudesse compensar. A Primavera vinha lá longe, o Inverno tinha chegado e nada o podia mudar.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
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8 comentários:
sei que não percebo de literatura por ai além, não tenho escritores predilectos nem tão pouco "estilos" obrigatórios de leitura... pelo que em questões de cultura literária estou praticamente , nao totalmente , desprovido de argumentos. .... mas porra assim que começo a ler este texto, so me vem o Eça à memoria, ou muito me engano ou tens andado a lê-lo =) e o seu fantasminha anda por ai a ditar-te algumas coisas!
um bem haja
Ó johnny estou a escrever este coment sem antes ter lido o texto simplesmente para mostrar o meu desagrado por tamanho texto. Faz porcarias mais pequenas dass! Achas que tenho pachorra para ler isto tudo? que seca.. LOL
Realmente o mister telak tem razão. Acho que já li um texto qualquer parecido com esse.. confessa qual foi a tua fonte carcaça. É que lembro-me mesmo de uma história muito parecida... mmm...
Nao tenho andado a ler nada, mesmo, ando sei tempo...escrevo o que me passa pela cabeça...just that!
não disse que tavas a re-escreve-lo..apenas que a maneira de escrever me pareceu parecida =)!
pensava queras o empty-head..isso de escreveres o que t passa pela cabeça ..ta bem ta!
abraço
gualter, meu rapaz. devo dizer que gostei. está bem construído e bem explanado, pecando apenas pela pouca densidade espaço-temporal, o que se compreende devido ao tamanho reduzido do texto.
mas também se o fazes maior ninguém lê.
o caminho é por aí, nelinho pequenino.
abraço zé cabeça
PARABENSSSSS MEU GANDA NELO VINGADA
ÉS GRANDE, SABES BEM...
Por acaso mal comecei a ler, cheirou-me logo a Eça...
Nota-se que tens a influencia dele na tua escrita.
Está bem fixe o texto Ze Gualter...
Abraço e amanha é dia de festa
Mais um texto, quanto a mim, mto bom. Consegue "fazer sentir", e isso é importante.
abraço
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