quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

She's my heroine

A porta entreaberta convidava a um rápido olhar, lá dentro o som de vozes perdia-se pelo longo corredor. As portas pesadas, tinham aquele toque liso da madeira. O branco confundia-se com o verde das paredes. Os quadros pregados simetricamente na parede recordavam o que havia sido, entoavam músicas de antepassados que não mereciam ser lembrados, mas que no fundo ninguém conseguia esquecer.
A vida depois deles tinha-se tornado monótona, os pesados rendimentos sabiam bem e davam para sustentar esta decrépita mas ainda assim pomposa família burguesa. O filho estudava alegremente para o que dizia ser o seu futuro, a lingua inglesa. A filha contemplava no jardim as borboletas e a maneira graciosa como por entre o vento as suas asas deslizavam, cortando-o, subindo e depois descendo, e então o leve aterrar numa margarida (a sua flôr preferida, ou não fosse esse o seu nome). Era incapaz de as capturar, era incapaz do que quer que fosse que as pudesse perturbar, que pudesse influir com a sua delicadeza. Correu de volta a casa, o seu nariz ditava-lhe as ordens, em cima do mármore da cozinha, as bolachas de manteiga...Partiu-as aos bocados e molhou-as no leite. Saboreou cada bocadinho das três bolachas a que tinha direito, e voltou para a sua contemplação. Era capaz de passar manhãs, tardes, a olhar para a vida do jardim, a ver cada insecto, cada movimento, a escutar cada som, absorvia-os como se a sua vida depende-se disso, havia apenas uma coisa que a distraía de todo este embevecimento, as suas bolachas.
Alguém a chamava, fingiu não ouvir, mas a voz ecoava dentro da casa, encheu-se de forças e resolveu ir. Esperava-a sua mãe, mulher alta, emproada, vivia ainda daquilo que pensava ser. A menina entrou, guardando uma distância de segurança, sabia que algo se passava, não era normal a mãe chamá-la quando o sol ainda lhe dava a possibilidade de viver no seu jardim. O seu pai e o seu irmão, estavam também na sala, as suas caras estavam envoltas numa mistura de mistério e preocupação.
Não perguntou nada, e voltou para a janela, de lá conseguia ver a borboleta ainda pousada na margarida. O sorriso voltou a preencher-lhe o rosto. Ninguém falava e o momento pareceu arrastar-se indefenidamente.
O pai aproximou-se afagou-lhe a cabeça, ela depressa se afastou, estranhou tal carinho, era algo que não conhecia algo a que não estava habituada. Foi então que se ajoelhou e a abraçou, um abraço longo, terno, cheio de amor. Ela resistiu, deixando-se depois conquistar. Percebeu o carinho, percebeu que algo de grave se passava, pensou nas suas bolachas, fechou os olhos com força, via a sua borboleta a brotar do casulo, a mostrar-se ao mundo. Abriu os olhos, e as lágrimas corriam pelo seu rosto, olhou em frente e não percebeu se eram também as suas lágrimas que corriam no rosto do seu pai. Correu para a cozinha, a farinha não estava sobre a mármore, não se ouvia o crepitar da madeira que em tempos a enbalou. Conhecia bem esse som, conhecia também o sabor que dele advinha. As suas lágrimas corriam agora descontroladamente, correu de volta ao jardim. Ninguém a seguiu, procurou em vão uma borboleta. O escuro apoderava-se do céu, lá ao longe as nuvens bramiam. Reparou naquele momento que as árvores se tinham despido, que no chão o manto de folhas cobria o seu caminho. A chuva misturava-se com as suas lágrimas que não pareciam agora ser tão salgadas. O mundo havia-lhe tirado tudo aquilo que tinha de mais precioso, muito tinha morrido, e nada havia que o pudesse compensar. A Primavera vinha lá longe, o Inverno tinha chegado e nada o podia mudar.

8 comentários:

Telak disse...

sei que não percebo de literatura por ai além, não tenho escritores predilectos nem tão pouco "estilos" obrigatórios de leitura... pelo que em questões de cultura literária estou praticamente , nao totalmente , desprovido de argumentos. .... mas porra assim que começo a ler este texto, so me vem o Eça à memoria, ou muito me engano ou tens andado a lê-lo =) e o seu fantasminha anda por ai a ditar-te algumas coisas!


um bem haja

Unknown disse...

Ó johnny estou a escrever este coment sem antes ter lido o texto simplesmente para mostrar o meu desagrado por tamanho texto. Faz porcarias mais pequenas dass! Achas que tenho pachorra para ler isto tudo? que seca.. LOL

Unknown disse...

Realmente o mister telak tem razão. Acho que já li um texto qualquer parecido com esse.. confessa qual foi a tua fonte carcaça. É que lembro-me mesmo de uma história muito parecida... mmm...

Alter Ego disse...

Nao tenho andado a ler nada, mesmo, ando sei tempo...escrevo o que me passa pela cabeça...just that!

Telak disse...

não disse que tavas a re-escreve-lo..apenas que a maneira de escrever me pareceu parecida =)!

pensava queras o empty-head..isso de escreveres o que t passa pela cabeça ..ta bem ta!

abraço

Ruca! disse...

gualter, meu rapaz. devo dizer que gostei. está bem construído e bem explanado, pecando apenas pela pouca densidade espaço-temporal, o que se compreende devido ao tamanho reduzido do texto.

mas também se o fazes maior ninguém lê.

o caminho é por aí, nelinho pequenino.

abraço zé cabeça

Dezperado disse...

PARABENSSSSS MEU GANDA NELO VINGADA
ÉS GRANDE, SABES BEM...

Por acaso mal comecei a ler, cheirou-me logo a Eça...
Nota-se que tens a influencia dele na tua escrita.
Está bem fixe o texto Ze Gualter...

Abraço e amanha é dia de festa

Pablo disse...

Mais um texto, quanto a mim, mto bom. Consegue "fazer sentir", e isso é importante.

abraço